sexta-feira, 16 de maio de 2014




  Ética nas Pesquisas Científicas

A civilidade baseia-se, principalmente, na harmonia das relações humanas. A partir de um conjunto de regras de conduta, prega-se o respeito mútuo. Na pesquisa científica é comum ver os relatos de falta de ética ou integridade entre colegas. Seja por competição, ambição pessoal ou aumento da produtividade com ausência de princípios, a FAPESP, o CNPQ e a USP são exemplos de instituições que estão combatendo más condutas com punições que ferem diretamente a reputação, até outras sanções mais severas.

A expressão “integridade da pesquisa” (research integrity) vem sendo utilizada para demarcar um campo particular no interior da ética profissional do cientista, entendida como a esfera total dos deveres éticos a que o cientista está submetido ao realizar suas atividades científicas. No interior dessa esfera existe um conjunto de valores éticos com o respeito à integridade física, psicológica e moral dos seres humanos. A ética profissional do cientista inclui portanto um conjunto de valores éticos, isto é, valores que se impõem ao cientista em virtude de seu compromisso com a própria finalidade de sua profissão: a construção coletiva da ciência como um patrimônio coletivo.

O princípio desse campo particular da ética profissional é: ao exercer suas atividades científicas, um pesquisador deve sempre visar a contribuir para a construção coletiva da ciência como um patrimônio coletivo, deve abster-se de agir, intencionalmente ou por negligência, de modo a impedir ou prejudicar o trabalho coletivo de construção da ciência e a apropriação coletiva de seus resultados. É a essa parte da ética profissional do cientista que remete a expressão “integridade da pesquisa”.

Por conta do crescimento significativo do número de projetos e de pesquisadores apoiados pela instituição nos últimos anos, a Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) acaba de lançar o seu Código de Boas Práticas Científicas, com o objetivo reforçar, na comunidade científica paulista uma cultura sólida e bem arraigada de integridade ética da pesquisa mediante um conjunto de estratégias baseadas em três pilares: educação e prevenção; além de investigação e sanção justas e rigorosas.

O código estabelece diretrizes éticas para as atividades científicas dos pesquisadores beneficiários de auxílios e bolsas da FAPESP e para o exercício da função de avaliador científico pelos assessores da FAPESP. É também aplicável às instituições e organizações de qualquer natureza, públicas ou privadas, que se apresentem perante a FAPESP como sedes de atividades científicas (aqui chamadas genericamente de instituições de pesquisa) e aos periódicos científicos apoiados pela FAPESP.

A partir do código de ética da FAPESP, é possível citar alguns princípios:

3.1. Nenhum pesquisador deve facilitar, por ação ou omissão, a ocorrência ou o ocultamento da ocorrência de más condutas científicas. Em caso de dúvida, o pesquisador deve aconselhar-se com o órgão competente de sua instituição de pesquisa ou com a FAPESP.

3.2. Todo pesquisador deve colaborar com a investigação de possíveis casos de má conduta científica conduzida por instituições de pesquisa ou pela FAPESP.

3.3. Nenhum pesquisador deve praticar ou facilitar, por ação ou omissão, qualquer ato que possa ser razoavelmente percebido como retaliatório em relação a quem informe, de boa fé, uma instituição de pesquisa ou a FAPESP acerca da ocorrência de possíveis más condutas científicas ou colabore com sua investigação.

3.4. É considerado ser má conduta científica prestar, de má fé ou por negligência, falsa informação sobre a ocorrência de possíveis más condutas científicas.

Em um âmbito mais geral, as instituições de pesquisa compartilham com os pesquisadores individuais a responsabilidade pela preservação da integridade ética da pesquisa científica. Elas são as responsáveis principais pela promoção de uma cultura de boa conduta científica entre os pesquisadores e estudantes a ela vinculados, assim como pela prevenção, investigação e punição de más condutas científicas que ocorram em seu âmbito.

É nesse sentido que a USP (Universidade de São Paulo) instituiu um regimento próprio para tratar questões éticas que envolvam também as relações humanas:

Artigo 1º - O presente Código de Ética destina-se a nortear as relações humanas no âmbito da Universidade de São Paulo, tendo como postulados o direito à pesquisa, o pluralismo, a tolerância, a autonomia em relação aos poderes políticos, o respeito à integridade acadêmica da instituição, bem como o dever de promover os princípios de liberdade, justiça, dignidade humana, solidariedade e a defesa da USP como Universidade pública.


Artigo 4º - Nas relações entre os membros da Universidade deve ser garantido:
I. o intercâmbio de idéias e opiniões, sem preconceitos ou discriminações entre as partes envolvidas;
II. o direito à liberdade de expressão dentro de normas de civilidade e sem quaisquer formas de desrespeito.

Artigo 5º - É dever dos membros da Universidade:
I. observar as normas deste Código e os postulados éticos da Instituição, visando manter e preservar o funcionamento de suas estruturas, o respeito, os bons costumes e preceitos morais e a valorização do nome e da imagem da Universidade;
II. defender e promover medidas em favor do ensino público, em todos os seus níveis, e do desenvolvimento da ciência, das artes e da cultura, bem como contribuir para a dignidade, o bem-estar do ser humano e o progresso social;
III. propor e defender medidas em favor do bem-estar de seus membros e de seu aperfeiçoamento e atualização;
IV. prestar colaboração ao Estado e à sociedade no esclarecimento e na busca e encaminhamento de soluções em questões relacionadas com o bem-estar do ser humano e com o desenvolvimento cultural, social e econômico;
V. incentivar o respeito à verdade.

Artigo 6º - Constitui dever funcional e acadêmico dos membros da Universidade:
I. agir de forma compatível com a moralidade e a integridade acadêmica;
III. prevenir e corrigir atos e procedimentos incompatíveis com as normas deste código e demais princípios éticos da Instituição, comunicando-os à Comissão de Ética (artigo 40);
IV. corrigir erros, omissões, desvios ou abusos na prestação das atividades voltadas às finalidades da Universidade;

Artigo 7º - Os membros da Universidade devem abster-se de:
I. valer-se de sua posição funcional ou acadêmica para obter vantagens pessoais e para patrocinar interesses estranhos às atividades acadêmicas;
III. fazer uso de mandato representativo de categoria para auferir benefícios próprios ou para exercer atos que prejudiquem os interesses da Universidade;
IV. divulgar informações de maneira sensacionalista, promocional ou inverídica;
 
TÍTULO II
Dos Servidores da Universidade

Artigo 8º - As relações entre os servidores devem ser pautadas pelo respeito recíproco, espírito de colaboração e solidariedade e reconhecimento da igual responsabilidade perante a Universidade.

Artigo 9º - A posição hierárquica ocupada por servidores docentes ou não docentes não poderá ser utilizada para:
I. desrespeitar ou discriminar subordinados;
II. criar situações embaraçosas ou desencadear qualquer tipo de perseguição ou atentado à dignidade da pessoa humana;
V. constranger subordinados a desobedecer ou contrariar os princípios estabelecidos neste Código.

Artigo 10 - O servidor docente ou não docente em posição de direção ou chefia deve:
I. zelar para que seus subordinados atuem dentro dos princípios éticos previstos neste Código;
III. promover a apuração de atos de improbidade e de ilícitos administrativos.

Artigo 11 - O servidor deve evitar qualquer conflito entre os seus interesses pessoais e os interesses da Universidade, especialmente em situações nas quais haja:
I. conflito de interesses na alocação de tempo e esforços em atividades não universitárias;
II. conflito de interesses entre a universidade e instituições públicas e privadas;
III. relacionamento pessoal ou profissional do servidor com instituições fornecedoras da Universidade.

Artigo 12 - Nenhum servidor docente ou não docente deve participar de decisões que envolvam a seleção, contratação, promoção ou rescisão de contrato, pela Universidade, de membro de sua família ou de pessoa com quem tenha relações que comprometam julgamento isento.


TÍTULO III
Dos Servidores Docentes
Artigo 15 - Cabe ao docente:
IV. empenhar-se na defesa da dignidade da profissão docente e de condições de trabalho e remuneração compatíveis com o exercício e aprimoramento da profissão;

Artigo 16 - Deve, ainda, o docente:
II. adequar sua forma de ensino às condições do aluno e aos objetivos do curso, de forma a atingir o nível desejado de qualidade;
III. apontar, a quem de direito, itens de regulamento ou normas que possam ser prejudiciais à formação acadêmica e ao desenvolvimento pessoal do aluno;
IV. exercer o ensino e a avaliação do aluno sem interferência de divergências pessoais ou ideológicas;
VI. respeitar as atividades associativas dos alunos.

TÍTULO V
Do Corpo Discente e dos demais alunos da Universidade

Artigo 21 - As relações entre os membros do corpo discente e demais alunos da Universidade devem ser presididas pelo respeito à autonomia e à dignidade do ser humano, não sendo tolerados atos ou manifestações de prepotência ou violência ou que ponham em risco a integridade física e moral de outros.

TÍTULO VI
Disposições Específicas
CAPÍTULO II
Da Pesquisa
Artigo 27 - No desenvolvimento de atividades de pesquisa, o docente deve assegurar-se de que:
VII. tratando-se de pesquisa envolvendo pessoas, individuais ou coletivas, são respeitados os princípios estabelecidos nas declarações e convenções sobre Direitos Humanos, na Constituição Federal e na legislação específica;
 
CAPÍTULO III
Das Publicações
Artigo 28 - É vedado aos membros da Universidade:
II. nas suas publicações, não dar crédito a colaboradores e outros que tenham contribuído para obtenção dos resultados nelas contidos;
III. utilizar, sem referência ao autor ou sem a sua autorização expressa, informações, opiniões ou dados ainda não publicados;

CAPÍTULO V
Registros de Dados e Informática
Artigo 33 - A coleta, a inserção e a conservação, em fichário ou registro, informatizado ou não, de dados pessoais relativos a opiniões políticas, filosóficas ou religiosas, origem, conduta sexual e filiação sindical ou partidária devem estar sob a égide da voluntariedade, da privacidade e da confidencialidade, podendo ser utilizados para os fins propostos para sua coleta.
§ 1º - É proibido usar os dados a que se refere o caput para discriminar ou estigmatizar o indivíduo, cuja dignidade humana deve ser sempre respeitada.
§ 2º - No caso de dados para fins de pesquisa, deve ser obedecido o disposto na Resolução 196-96 do Conselho Nacional de Saúde, atinente à ética na pesquisa envolvendo seres humanos.

Artigo 38 - No que concerne ao uso dos sistemas de computação compartilhados, é vedado aos membros da Universidade:
III. degradar o desempenho do sistema ou interferir no trabalho dos demais usuários;
V. fazer uso de meio eletrônico para enviar mensagens ou sediar páginas ofensivas, preconceituosas ou caluniosas.
TÍTULO VII
Disposições Finais
Artigo 39 - A Universidade criará uma Comissão de Ética com as atribuições de:
I. conhecer das consultas, denúncias e representações formuladas contra membros da Universidade, por infringência às normas deste Código e postulados éticos da Instituição;
II. apurar a ocorrência das infrações;
III. encaminhar suas conclusões às autoridades competentes para as providências cabíveis;
IV. criar um acervo de decisões do qual se extraiam princípios norteadores das atividades da Universidade, complementares a este Código.

Artigo 41 - A Ouvidoria da Universidade e a Comissão de Ética atuarão de forma coordenada para assegurar a plena observância das normas e princípios previstos neste Código.

A ética na pesquisa não é dada somente no conhecimento para conduzir uma pesquisa com correção, está inserida por todo o contexto que envolve o trabalho com o ser humano. Quando um pesquisador é desleal, não só demonstra falta de caráter, mas que os fins justificam os meios e nem toda a educação que teve desde a graduação até o doutorado conseguiu mudar isso. Linhas no lattes não são a causa da falta de caráter, a ausência de princípios, muitas vezes, vem de nascença. Mesmo que se procure encontrar formas equivocadas para justificar a reversão de princípios, em prol das suas ambições pessoais ou coletivas, nada justifica os meios. 

Referências:


  1. Sobre a Integridade Ética da Pesquisa (FAPESP)
  2. Código de Boas Práticas Científicas (FAPESP)
  3. Ética e Integridade na Prática Científica (CNPQ)
  4. Código de Ética da USP
  5. Comissão de Integridade na Atividade Científica (CNPQ)

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